sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um dia amaldiçoado pelos deuses

            Hoje, em Porto Alegre, menos vale uma sombrinha do que um par de esquis na Bahia. Mas a história começa um pouco antes. O dia se me apresentava como um pedaço de chocolate branco recheado de negresco. Carona do namorado até a estação São Leopoldo. Um ônibus a menos na incrível jornada à Porto Alegre. Beijos, Bom trabalho, Fica bem, Até mais tarde. Mal sabia eu o que o dia me reservava para além daquela plataforma de trem de todo dia.
            Na estação Esteio o trem parou. Lá veio a voz do maquinista “Senhores usuários, devido a problemas técnicos, este trem ficará parado por alguns instantes”. Instantes que somaram quase meia hora. Finalmente o trem deu partida vagarosamente, e dali para adiante ficou parado de 3 a 5 minutos em cada estação. Foi uma angústia sem fim. Todos aflitos, ligando para seus empregos, se explicando, etc. Minha sorte foi ter comigo, como de costume, um livro. Assim eu li a viagem inteira e tornei menos drástico aquele sentimento de ansiedade. Júlio Verne, A volta ao mundo em 80 dias. Moral da história: saí da estação São Leopoldo às 6:10, cheguei em Porto Alegre às 7:45.
            Chegando à estação Mercado me dei conta de que havia esquecido meu cartão tri no bolso do outro casaco. Fui trabalhar a semana inteira com aquele casaco, hoje tinha decidido colocar outro. É verdade também que não tenho o hábito de deixar o cartão nos bolsos, sempre colocando ele de volta dentro da mochila. Mas o acaso é a sorte do azar. Ontem eu tinha depositado todos os meus pilas no banco, que eram 16, estava, pois, sem um tostão na algibeira. Então pensei, vou ter de passar no caixa eletrônico para pegar dinheiro para pagar a passagem do ônibus de Porto Alegre. Há, ou havia, um caixa desses 24 horas ali dentro da própria estação Mercado, onde eu sempre sacava dinheiro. Mas hoje, quando eu cheguei lá, o caixa simplesmente havia desaparecido! Sumiu, escafedeu-se. Justo hoje! Aliás, NADA justo nisto.
            Tudo bem, vamos lá. Ainda não havia esmorecido. Passo no Banco do Brasil ali da Rua Uruguai. Quando subi as escadas e tentei abrir minha sombrinha ela decidiu que só queria abrir para fora. Foi uma peleia, mas consegui. Tão logo alcancei a rua percebi que a coisa não tava boa. Ventão forte! Achei que a sombrinha ia quebrar, e a chuva vinha de todos os lados, e até de baixo me parecia. E aquilo tudo parecia um campo cheio de micro batalhas, todos em firme briga com suas sombrinhas que por sua vez brigavam com o vento. Vento não. Ventão.
            Ao atravessar para a Uruguai eu já estava mais que molhada. Cheguei até o banco, com não pouco esforço. Me senti numa missão militar, tendo que atravessar impossíveis terrenos, com visibilidade escassa ou nula. Saquei 5 pila, e tomei o caminho de volta, subindo pela Borges de Medeiros até a Salgado Filho para pegar o ônibus. Bem na esquina uma verdadeira corredeira, acho que algum cano havia estourado. Mas já resignada, e muito encharcada é verdade, não me atucanei com mais aquela água que entrava nos meus tênis. Logo encostou um 398 Pinheiro que pude pegar. Passei na roleta, entreguei os 5 para o cobrador, recebi o troco e fui me sentar, com ares de vencida. Conferi o troco e percebi que, por ato in ou voluntário o cobrador me havia logrado com 5 centavos no troco. Não tinha forças para reivindicar aqueles 5 centavos. Não tinha.
            Descendo na Bento, tentei dar ares de normalidade ao meu dia, atravessei a rua e fui a padaria comprar dois pastéis, dos quais me considerei merecedora naquela circunstância. Saí, esperei na beira da rua para atravessar e um carro filho da puta, melhor, um motorista filho da puta passou em disparada numa poça de água no canto da rua. Nem preciso dizer que a água foi toda para mim. Mas, como disse, nessas alturas já havia encarnado um espírito de resignação.
            Cheguei finalmente ao trabalho, num estado de ânimo que parecia surreal. Tirei minhas roupas, meia, tênis. Os coloquei junto com a mochila, também encharcada, em frente a um ventilador numa sala a parte. Coloquei o uniforme. Liguei o aquecedor nos meus pés, que estão descalços. Servi um café quente e fui comer os meus pastéis. 

Pontos positivos:

Meu tênis ficou limpo;
Os pastéis e o café nunca pareceram tão saborosos;
Agora estou sã e salva da selva de pedra molhada.

Pontos negativos:

Todo o resto.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Por isso o melhor é mesmo não trabalhar, como eu sempre faço.

Ótima leitura no metrô, apesar de ter melhores do Verne...

E ótima frase, "o acaso é a sorte do azar". Roubou de alguém?

K. disse...

Infelizmente, pra mim, o trabalhar não é questão de melhor ou pior, é questão de necessidade... Mas não tenho queixas porque, entre tantos desafortunados, tenho a chance de trabalhar com algo que sinto prazer. Quanto a frase, eu também gostei, ela é minha mesmo, não roubei de ninguém não, apenas saiu, pois expressou exatamente a situação...

obrigada pela leitura do blog.

=)